As Duas Irenes || Classificação: ★★★★ (Ótimo) || Estreia em 14 de setembro de 2017
Texto: Ana Marta || Revisão: Kamila Wozniak
“A sutileza nas descobertas da adolescência”
É tão raro encontrar uma obra que narra a sua história de forma simplória, em As Duas Irenes vemos algo sutil sobre as descobertas e transformações na adolescência entre as protagonistas. Sensacional! A trama narra a vida de Irene (Priscila Bittencourt), filha do meio de uma família tradicional do interior, que descobre que seu pai (Marco Ricca) tem outra filha e que também se chama Irene (Isabela Torres). Revoltada, a Irene se aproxima mais da sua meia-irmã e se inicia um novo mundo de descobertas. O ponto forte do filme é, de como o roteiro consegue transmitir para o espectador.
Abordando temas sociais (puberdade na adolescência, questionamento da personalidade e o machismo) de uma forma simples, sem exagerar ou ser chamativo. A ideia é mostrar um espelho entre as protagonistas, e seus pensamentos sobre as suas descobertas e transformações da adolescência para fase adulta. Com certeza, você vai se identificar com os conflitos pessoais entre as duas personagens e sentir o que estão passando. Todo o processo é transmitido através de poucos diálogos e deixando a própria câmera (enquadramento, tom de cores do cenário e trilha sonora) dizer para o público todo o sentimento de frustração, alegria, confusão e amor entre os personagens.
Isso da forma mais harmônica e equilibrada, deixando as cenas, principalmente entre as duas Irenes, mais poéticas e dramáticas. O único ponto negativo, ou diria, que pode incomodar alguns espectadores, é o ritmo um pouco lento em narrar a história. O roteiro tem sim diálogos entre seus personagens, mas prefere abordar mais a narração visual – o silêncio de alguns personagens e cenas de paisagem com som ambiente. Tudo isso, transmitidos de forma mais lenta para narrativa e não diria que isso possa atrapalhar, mas pode incomodar em alguns pontos do filme.
O filme não marca apenas pela excelente história, mas também pelas atuações fantásticas das atrizes Priscila Bittencourt e Isabela Torres como a personagem Irene. Com certeza, as duas são a chave principal de entendermos e compreendermos todas as sensações que as personagens estão passando. Mostrar um lado da Irene mais fechada e inquieta, enquanto a outra ser mais extrovertida e aberta. Quando juntas, elas se completam e tentam entender as descobertas que estão passando pela adolescência e ao mesmo tempo tentando entender que são filhas do mesmo pai, porém de mães diferentes.
Entrevista com diretor Fábio Meira de “As Duas Irenes”
As descobertas na adolescência é a abordagem principal, além de outros temas em As Duas Irenes dirigido/escrito por Fábio Meira. O filme que estreou em 14 de setembro, foi selecionado para o 67º Festival de Berlim e na seção “Generation”, traz uma abordagem delicada e inocente entre as duas protagonistas.
O Portal Crítico entrevistou o diretor Fábio Meira, que contou como foi o processo de criação em As Duas Irenes.
Portal Crítico: Como foi o processo da ideia principal do filme?
Fábio Meira: Para mim, era importante que a personagem Irene tivesse seus 13 anos porque seria a passagem da adolescência para a fase adulta. Aquele momento que sentimos a perda da inocência e da identidade, e percebendo um pouco de como a sociedade é atualmente. Onde vemos que a sociedade é feita de hipocrisia, segredos e códigos. A Irene está nesse momento de entender como ela é e de quem ela vai ser. Então, por isso o filme tem tanto espelho, porque ela se observa para entender a si mesma e dentro da família. Eu mesmo olhava muito no espelho para saber se parecia com meu pai ou com a minha mãe e se tinha alguma característica de cada um. Então, a Irene está nesse processo de descoberta.
Portal Crítico: O filme transmite a história visualmente ao invés do uso dos diálogos para narrar os conflitos. Essa foi a ideia principal, em transmitir uma história mais visual ao espectador?
Fábio Meira: Sim! Como espectador, gosto muito dos filmes que não entregam de cara a história, poder adentrar no filme e que possa conversar comigo. Fui aluno do Gabriel Garcia Marques em Cuba, ele falava uma coisa que no cinema, o texto e diálogo não se combinam, por exemplo: quando você lê os diálogos do livro, você está lendo na sua cabeça, mas no cinema é a imagem e som. Então, a ideia era reproduzir esse universo interior dos personagens e o espectador poder enxergar que a Irene é introspectiva. E tem um momento no filme que a outra fala: “Nunca dá para saber o que está pensando” – uma característica vinda do pai (Marco Ricca). É nesse universo interior que me interesso mais.
Portal Crítico: Em momento algum, o filme confirma uma época específica. Como foi trabalhar a história social encaixando aos dias atuais?
Fábio Meira: Era muito importante que o filme não tivesse uma época marcada. Então, você não sabe qual década se passa apesar de um cenário de cidade de interior antiga, por exemplo: O uso da enceradeira na cena. Um hábito diário, mas ultrapassado. A ideia é passar um tom antigo e antiquado porque a sociedade patriarcal, é ultrapassada. O filme tem como objetivo de se comunicar com várias gerações. Para mim, o filme é quase uma fábula: “onde uma menina descobre que tem uma irmã com mesmo nome e idade, mas que possui uma personalidade oposta que a dela.”
Portal Crítico: Foi difícil trabalhar a ideia do filme com as atrizes?
Fábio Meira: Não! A atriz Priscila Bittercourt estava passando pelas as mesmas situações que a sua personagem Irene, por exemplo: o primeiro beijo da Irene na cena, foi o primeiro da atriz. Assim como do ator que participou da cena. Os dois estão se beijando pela primeira, tanto na ficção e na realidade. Acho muito bonito, uma atriz nata que deu seu primeiro beijo fazendo um filme. Como se fosse o chamado da natureza, por isso as cenas de árvores, ventos e de bichos, como de alguma maneira a natureza estivesse presente no convívio dos personagens.
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